Relato de Parto de Erica Azevedo -09/05/2012 (Parto Natura Hospitalar)
Por Erica Azevedo, mãe da Amora
Tenho certa resistência com cirurgias e muita aflição de cortes.
Nunca tomei ponto na vida, quando me machucava fazia minha mãe juntar a
pele com esparadrapo ou qualquer coisa que funcionasse parecido só pra
não precisar ir pro hospital ser costurada! Então quando descobri que
estava grávida, já sabia que não queria cesárea.
O parto normal, embora não tão agradável, era o que restava pra mim
até aquele momento. Eu cheguei a me sentir mimada de “ter opção” e mesmo
assim continuar insatisfeita. Se todas as mulheres tinham filhos
daquele jeito (normal ou cesárea), porque eu achava ruim ter que passar
por aquilo? Mas eu achava, e nada me fazia mudar de ideia. Era
humilhante ter que ficar de pernas abertas pra quem quisesse ver,
debaixo daquela baita luz de centro cirúrgico, com alguém(ns) me
mandando fazer “força, mãezinha!”.
Eu devia ser muito mimada mesmo, pra mim essa situação era uma
exposição sem tamanho, uma brutalidade. Lembro que a alguns anos,
conversando com uma amiga, disse que não gostaria que assistissem meu
parto porque eu teria vergonha na hora.
Perguntei se aquilo era uma atitude egoísta, e ela fez que sim com a
maior cara de reprovação, como se minha preocupação com “a feiura”
daquilo fosse um capricho.
Ué, ser mãe não era algo grandioso? Porque pra viver essa
transformação a gente tinha que ser tratada como incapaz? Que condição
passiva e diminuída, me dava vergonha sim! …Mas ok né, se tudo corresse
bem pelo menos não iam abrir minha barriga, e eu não ia ficar andando
corcunda encolhida por um ano de aflição do corte.
Escolhi dos traumas, o menor. Quando parei pra pensar mais sério nisso, deu medo.
Vi que não ia rolar e comecei a pesquisar. Foi quando eu descobri a palavra doula!
Tudo na internet que envolvia doulas trazia informações
surpreendentes e me levava a outros sites legais. Numa dessas, truco: o
parto normal também não favorece a fisiologia do corpo como pensamos que
faz! E não é uma experiência saudável emocionalmente também! De normal,
o processo só tem o nome.
Meus questionamentos tinham toda razão em existir, e o melhor, descobri uma terceira opção, o parto natural humanizado!
Sem intervenções desnecessárias (mas que são realizadas rotineiramente
nos hospitais), o parto humanizado envolve muito respeito e a
valorização que o nascimento merece (o de um bebê, o de uma mãe).
Eu poderia ficar livre pra andar e comer, poderia usar as minhas
próprias roupas (ou nenhuma), poderia escolher a posição mais
confortável para parir, não fariam episiotomia (cortar lá embaixo) se
não vissem necessidade, se a bebê nascesse bem não sofreria aspiração, o
cordão só seria cortado depois que parasse de pulsar, etc!
Nisso eu via sentido!
O Bruno, meu namorado, e a minha mãe Suzana, viram o quanto era
importante pra mim que acontecesse daquela maneira e toparam entrar
nessa comigo na hora. Era o apoio que eu precisava.
A partir daí comecei a procurar por doula e médica humanizada. Aqui em
Itapetininga isso não existe. Chance de ter parto natural humanizado é
zero, a não ser se for domiciliar.
Como no caso de transferência pra hospital eu acabaria tomando uma
cesárea, e como moro com mais pessoas, não me senti tranquila pra isso.
Fui encontrar uma doula super bacana em Campinas, a Renata Olah, que
me deu a indicação da Mariana Simões, médica humanizada também de lá.
…Me consultei com a Mari, a abordagem era totalmente diferente, ela não
estabelecia o ‘peso hierárquico’ que eu sempre sentia durante consultas
com outros médicos, enxergava respeito dela pela minha condição de
grávida, achei tudo!
Ela me deu o contato do MAHPS (Movimento de Apoio a Humanização do
Parto em Sorocaba), onde eu conheci a Gisele, que é uma baita ativista
da causa e doula… foi amor à primeira vista, e como Sorocaba é bem mais
próxima de Itapê, a chamei pra me acompanhar.
Médicas obstetra e pediatra (Dra Otília, humanizada também – que não
adianta eu não sofrer intervenções desnecessárias e a bebê sofrer,
né?)ok, doula ok, Maternidade de Campinas ok.
Teve uma tarde de despedida da barriga deliciosa aqui em casa com a
Gisele, ela sempre me deixou muito tranquila, confiava na minha
capacidade. Tudo pronto pra acontecer do melhor jeito! Isso merece ser
recordado, “procura aquela fotógrafa que faz um trabalho lindo!” Rsrs.
Chamei a Kelly pra clicar o parto, não é todo maio que dá Amora né? J
No dia 09 de maio às 6h da manhã acordei com uma cólica leve.
Coloquei bolsa de água quente e nada de melhorar. Fui pra baixo do
chuveiro, deu uma amenizada, mas continuava lá. A Gisele tinha me
mandado uma mensagem perguntando se tava tudo tranquilo, e lá pelas 8h30
eu respondi que sim, só uns pródromos chatos que não queriam ir embora
(pródromos? ai, que anta!). Ela respondeu pedindo pra eu contar de
quanto em quanto tempo as contrações vinham, e eu fui marcando na maior
tranquilidade, achando que aquela regularidade era viagem minha (suave
demais pra ser…).
Estavam de 4 em 4min (um pouco menos, mas eu não queria acreditar e arredondei).
Ela respondeu que estava saindo da USP e pediu pra eu ligar pra
Giovana vir em casa me examinar, uma obstetriz que mora aqui em Itapê e é
super envolvida com o movimento de humanização. Mas ela sabia que eu
não ligaria porque estava descrente que era trabalho de parto e fez isso
por mim. Aí a Giovana me ligou perguntando se queria que ela viesse, e
eu disse que voltaria pro chuveiro pra ver se melhorava e que qualquer
coisa retornava. Mandei uma mensagem pro Bruno (que trabalha numa cidade
próxima do Rio de Janeiro) contando a situação, mas dizendo que era
melhor que ele não saísse de lá ainda porque tava com a maior cara de
alarme falso. Ele saiu na mesma hora. …Eu não sei porque demorou tanto
pra cair a minha ficha, talvez porque a dor estava muito tranquila perto
da que eu tinha me preparado pra sentir, e eu não queria todo mundo
parando tudo e pegando estrada pra chegar aqui e ouvir que as contrações
tinham cessado. 15 minutos no chuveiro e “tá, já tá todo mundo a
caminho mesmo”…chamei a Giovana. “Vem que não tá melhorando, não custa
conferir né?”.
Ela chegou, conversamos um pouco, achamos melhor eu comer algo…Eram
umas 10h30 quando ela me examinou e a maior surpresa: “Érica, 6 de
dilatação!”. Oi??? 6? Cheguei até lá na boa, achando que era alarme
falso? Aí bateu ansiedade, nem mala pronta eu tinha. Eu escolhi não
fazer porque achava que daria tempo de escolher as coisas de acordo com
meu gosto pra aquele dia.
Depois do exame as contrações apertaram em intensidade, e fui
colocando piscininha, essência, bola de pilates, velas, tudo que não
daria tempo de usar, menos roupa, dentro da mala! Hahahaha!
Eu não pensei em roupa, tanto que entrei no carro de pijama mesmo. E
putz… o carro! Tudo que eu não queria era estar lá dentro dilatando dos
7 aos 10, mas não teve jeito.
Minha mãe colocou um cd, eu pedi pra tirar na hora… música seria uma
maneira de me situar no tempo, e eu tinha medo de ter noção do quanto
ainda faltava pra eu sair daquele banco de trás.
Fui deitada com a cabeça no colo da Giovana. Lembro que a maneira que
eu encontrei pra aliviar as contrações era vocalizando, e assim eu
fazia.
A Gi segurava minha mão e pedia coragem. No meio da viagem o Bruno
ligou dizendo que só tinha vôo às 16h, eu lamentei no telefone, mas
depois que desliguei fiz uma conta maluca mentalmente e cheguei a
acreditar que mesmo assim ele chegaria a tempo.
Depois disso (eu acho) a Gi disse pra eu ficar de quatro. Na primeira
contração assim eu achei que não ia conseguir manter a posição, já tava
doendo muito e daquele jeito era pior! Mas eu me mantive firme. Numa
dessas veio junto um monte de “água” quentinha e eu ensopei o shorts de
pijama e o banco de trás inteiro.
Nas contrações que se seguiram sempre saía água. Mesmo com a dor eu
me sentia segura com a Giovana ali… se precisasse, minha mãe parava o
carro e ela saberia como agir. Claro que eu não queria que isso
acontecesse, mas também eu já tinha combinado comigo que entrar em
desespero não era opção, e na estrada menos ainda!
Queria muito provar pra mim mesma o quanto eu podia ser forte, e
fosse como fosse, sairia daquilo tudo com minha filha nos braços muito
orgulhosa dela e de mim.
Faltando uns 20 minutos (acho) pra chegar em Campinas, eu já estava
completamente em outro mundo. Precisava vocalizar bem mais alto pra
sentir alívio, acho até que comecei a gritar nas contrações. Quem via de
fora devia sentir dó de me ver naquela situação, uns bestas, porque eu
tava era no maior orgulho! Hehehe!
Já dentro de Campinas (será?) a Gi me pediu pra respirar pelo nariz e
soltar pela boca “pra não fazer força”, mas era difícil controlar
porque meu corpo tinha vontade própria! rsrs Ah! E não é todo dia que as
pessoas tem oportunidade de ver uma maluca descabelada, com shorts de
pijama todo molhado, grunhindo alto e de quatro no banco de trás de um
carro, espero que os passageiros dos ônibus que emparelhavam com a gente
nos semáforos só tenham assistido e não filmado e postado no Youtube
Até porque, sei lá se sacaram que era trabalho de parto, porque
naquela posição só dava pra ver minha bunda. Possuída, talvez? Não
deixariam de estar certos… eu tava completamente tomada por uma força e
coragem muito lindas, que acho que sempre foram minhas e eu não sabia.
Digo isso porque foi muito natural pra mim quando elas vieram, eu
simplesmente as reconheci. Só passando pra entender.
A Mari, a Gisele e a Kelly estavam na porta da maternidade quando
chegamos, e fui descer do carro no meio de uma contração… nessa hora
cheguei a querer ficar de quatro de novo, já que tava ruim mas era
daquele jeito que eu tinha aprendido a enfrentar.
A Gisele veio correndo me abraçar e me manteve de pé, ufa! Era
muuuuito melhor. Entrei na maternidade daquele jeitão que os passageiros
dos ônibus viram, com a diferença de que agora o alvo das pessoas era
minha cara de que tava curtindo o maior barato em outro mundo, e não
mais o bundão
Completamente dilatada, toda guerreira e no apoio quentinho do abraço
da Gisele, fui andando até o centro obstétrico. No elevador ela dizia
que eu estava linda… que bom era aquilo.
Queria muito o Bruno me esperando lá na frente da maternidade junto com elas.
Queria que ele pudesse ter chego a tempo pra sentir orgulho de mim
como eu estava sentindo… só teria sido melhor se eu tivesse subido
naquele elevador abraçada nele, me sorrindo e dizendo que eu estava
linda. Mas ele ainda estava no aeroporto do Rio… saiu correndo quando eu
ainda apostava que era alarme falso, desceu a lenha na estrada pra
chegar no guichê e ser avisado que o vôo pra Campinas tinha saído fazia 5
minutos. Foi lá, sentado esperando que ele passou o tempo enquanto a
nossa filha nascia. Fiquei muito mal de pensar nisso nos dias seguintes,
porque o parto era nosso.
No centro obstétrico a Mari me examinou e confirmou dilatação total,
fiquei abraçada na Gisele e me deixei levar! Nessa hora, quando eu
estava na partolândia, não importava se estavam olhando, se iam me achar
estranha, nada externo me afetava (apesar de eu ter dito que tava sem
corretivo e de pijama, huahuah)… teve música (que eu não ouvi, soube
depois).
Minha mãe sempre lá, lindona. Contou que até massagem em mim fez.
Sentei na banqueta de parto, a Gisele ficou de apoio atrás de mim.
Sugeriram que eu sentisse a cabecinha dela, mas quando toquei tinha
uma consistência macia… Era porque ela estava empelicada, com a bolsa
ainda recobrindo!
Pegaram um espelho pra eu poder ver também , eu disse que não queria e
depois que queria. A Mari, a Otília, a Giovana, a Gisele, a Kelly,
minha mãe, estavam todas lá, pacientes e me apoiando felizes, prontas
pra dar o suporte que eu e a bebê precisássemos.
Não sei quantas contrações eu tive na banqueta, sei que a Amora veio
muito rápido e inteirinha em uma só! E eu achei gostoso! Hahahaha! A
Mari pegou e me entregou. A bolsa só estava na cabecinha e eu nem
precisei desembrulhar meu presente! A pequenina me olhou atenta nos
olhos, sem chorar… linda, quentinha e cheirosa. Noooooossa!
Aí deram o cordão pra eu sentir pulsando, eu peguei mas não senti
coisa nenhuma, hauehuahaeh! Não queria saber de mais nada, não entendia e
não ouvia mais nada, eu tava transbordando.
Quando parou de pulsar minha mãe cortou. Depois de um tempo comigo a
Otília a pegou rapidinho e foi avaliar – sem aspiração nem picadas, como
todo bebê que nasce bem deveria ser recebido.
Nem a mala dela (essa sim tava pronta, toda belezinha) deu tempo de
descer do carro de tão rápido que foi, e se eu saí nas fotos (que
ficaram maravilhosas por sinal! Kelly, você sabe muuuito!) de pijama e
descabelada, a Amorinha saiu com a roupinha do hospital. Hehehe.
Levei dois pontinhos internos, bem menos do que se tivesse tomado uma
episiotomia! Eles não incomodaram nada e caíram em uma semana, uma
beleza!
Tomei banho sozinha no mesmo dia. Só na manhã seguinte minhas pernas pararam de tremer, pernas trêmulas de coração apaixonado…
A Aluá, minha irmã, chegou logo depois do nascimento, e o Bruno chegou
quando já estávamos instaladas no quarto. De noite ficamos eu, ele e a
Amora lá. Foi a noite mais feliz da minha vida.
A Amora nasceu às 14:20hs pesando 3225 gramas e medindo 50 cm, de um
parto rápido, intenso e transformador na minha vida. Não foi como eu
imaginei, não teve piscina, não foi no quarto, dei show no trânsito de
Campinas,… mas isso fez parte da aventura! Mudar algo mesmo, só seria a
ausência do Bruno. Mas eu também tenho que agradecer os imprevistos! A
Giovana mesmo chegou aos 45 do segundo tempo e ufa! Foi minha obstetriz,
peça essencial pra tudo dar certo! E com a Kelly não teve erro, as
fotos ficaram lindas mesmo com a minha não-produção e com a Amorinha de
gorrinho feito de gase do hospital! Huahauaha
O que é melhor nem sempre é o mais simples… Quando a responsabilidade
passa a ser nossa, tem que ter coragem… Mas vale tanto a pena… poder
ser mãe por você mesma, e trazer seu filho ao mundo da maneira mais
respeitosa e saudável pra ele não tem preço!
Obrigada Gisele
por ter me mostrado que o parto não precisa maltratar a mulher, e que
ainda pode ser uma poderosa fonte de aprendizado na vida dela! Obrigada
pelo encorajamento, pelo carinho, pelo suporte, e agora pela amizade.
Obrigada Giovana por ter se mostrado disponível e tão atenciosa desde
a primeira vez que entrei em contato, e depois, em cima da hora, por
ter garantido a nossa chegada em Campinas, você foi peça chave pra que
tudo desse certo!
Mariana e Maria Otília, obrigada por terem sido capazes de
desconstruir velhos conceitos. O trabalho de vocês é muito lindo e
importante!
Obrigada Kelly, que prazer te
conhecer! Que glamour suas fotos, mulher! Quanta sensibilidade e
delicadeza. Vendo suas imagens é que as amigas ficam com água na boca
pra ter parto natural… hehehe.
Obrigada dinda Aluá, não foi dessa vez que deu pra acompanhar também,
mas sempre super presente na minha gravidez! Obrigada por amar tanto a
pequena! Huahauaha. Você jogou fora junto comigo ideias empoeiradas,
espero que aplique as novas no que puder, dentro do seu trabalho.
Obrigada mãe Suzana, que compreende o fundo da minha alma, que está
ao meu lado sempre e fica feliz quando eu dou o melhor de mim, que fez o
trajeto pra Campinas em 1h40, hihih!
Obrigada Bruno, por ter aparecido na minha vida, por ser tão leve,
por botar fé em mim, por me apoiar. Você tava lá comigo o tempo todo,
amor. Te amo. A Amorinha não foi programada mas mesmo assim a gente fez
bonito. Hehehe. Obrigada por ela. Te amo de novo.
E Obrigada Amora Amor! Minha Ananda, meu alecrim! A bela causadora de
tudo isso! Por você eu movi montanhas, e agora sei que também posso
buscar as estrelas se você as quiser. Você é a expressão do amor mais
puro e concentrado.